Ao contrário do que muita gente acredita, é possível utilizar essa máquina humana na totalidade da sua capacidade. Mas, a “autossabotagem” do cérebro, que acontece frequentemente nas situações importantes da vida, é mais frequente do que se imagina.
De modo simples e descomplicado o dispositivo mais sofisticado do mundo é dotado da capacidade quase infinita de assimilar coisas novas a cada segundo – e é com isso que precisamos trabalhar.

Existe a possibilidade de agirmos diferente através da metacognição, utilizando a mudança consciente na forma de pensar, para assim acender certas partes até então adormecidas no cérebro que, muitas vezes, estão dessa maneira apenas por se manter a mente sempre na zona de conforto.
Fazer o cérebro se tornar um “ninja” é um convite que eu faço para uma viagem pelo intelecto humano e através de ajustes práticos do comportamento, aproveitar a vida de forma plena, com mais inteligência e percepção.
E eu vou além, dentro do campo cirúrgico e na rotina da prática médica, muitos elementos da neurociência comportamental são trabalhados mesmo que a gente não perceba. Assim como o nosso corpo, o nosso cérebro também precisa ser exercitado e algumas atividades podem potencializar nossa capacidade cerebral.
Eu explico melhor. Gerenciando os limites mentais positivos (foco, memória, criatividade, intuição e comunicação), podemos direcionar o funcionamento cerebral consciente e assim ele pode ser utilizado 100% a favor da vida, da profissão e, sobretudo, do bem-estar.
E por que então não fazemos isso o tempo todo? Porque vivemos numa zona de “economia energética”, a conhecida zona de conforto. Por uma questão de sobrevivência, nosso organismo é programado para gastar menos energia possível, principalmente os neurônios. E ainda: mesmo não utilizamos 100% das nossas capacidades mentais.
Precisamos de determinação, inteligência emocional e entender que existem problemas como o esgotamento mental e a síndrome de Burnout, que precisam ser reconhecidas e devidamente tratadas. Às vezes, exigimos demais do cérebro de uma forma inadequada e ele reage emitindo sinais de exaustão. Mas, entendendo isso, é possível ampliar as habilidades mentais sem sofrimento.
A determinação e o treino são capazes de modular a herança genética. Acumular experiências utilizando o cérebro aumenta a reserva cognitiva, o que protege o órgão inclusive para o envelhecimento saudável.
Então vamos aos principais pontos que devem ser estimulados. O primeiro é o FOCO.
Há evidências neurocientíficas que comprovam que quando realizamos uma coisa por vez, o resultado final é muito melhor. Mas, isso nem sempre acontece já que no mundo atual é muito comum o uso concomitante de whatsapp, redes sociais, telefone, computador... tudo sendo utilizado quase de uma só vez. E, muitas vezes, executamos mesmo sem perceber ,mais de uma coisa ao mesmo tempo. Ou seja, somos multitarefa.
Daniel Goleman propôs que o foco pode ser dividido em 3 tipos:
• Externo: quando prestamos atenção no ambiente em que estamos inseridos. Por exemplo, dentro de um hospital, em um ambulatório ou no centro cirúrgico;
• Interno: quando a atenção é voltada para uma só tarefa. Por exemplo, no momento crucial de uma cirurgia;
• Empático: é a atenção voltada para uma outra pessoa. Por exemplo, em uma consulta frente a frente com o paciente, ou então quando lidamos com os profissionais da equipe.
Para executar uma missão muito específica, como por exemplo, durante uma cirurgia, o foco é utilizado na sua totalidade: desde o planejamento, por toda a execução e nos cuidados com o paciente no pós-operatório. E para que tudo isso funcione em perfeita ordem é fundamental que o cérebro esteja descansado. Sabemos que uma boa noite de sono ou até uma soneca oportuna antes de uma tarefa importante tem grande capacidade de aumentar o seu foco. Já imaginou um cochilo, de propósito, antes de operar? Quinze minutos apenas! Faz sentido para você?
Quando isso não for possível minha dica é: pare, coloque uma mão no tórax, no altura do esterno e a outra no umbigo. Feche os olhos e faça 5 movimentos respiratórios. A barriga deve mexer mais que o tórax. Isso irá propiciar redução da ansiedade, irá melhorar as trocas gasosas pela respiração consciente e facilitará uma boa perfusão cerebral. Com isso cria-se um cenário fisiológico dentro do crânio propício para o melhor desempenho mental.
Outros truques como ingerir café, chá verde, chá preto, chocolate ou uma colher de pó de ginseng num copo de suco também podem fazer a diferença.
Outros exercícios possíveis para incremento da concentração são atividades mais lúdicas como caça-palavras e a prática esportiva em geral, lembrando que alguns esportes como tênis, natação, golfe, arco e flecha e também a meditação são mais efetivos para o desenvolvimento do foco.
Mas, cuidado. Às vezes o foco extremo, ou hiperfoco, pode atrapalhar. Por isso, nunca mantenha o foco 100% em uma tarefa sem prestar a atenção no que está acontecendo ao seu redor. O hiperfoco pode lhe pregar peças. E isso pode acontecer em um momento de uma ação médica que exija atenção voltada para todo o ambiente ao seu redor, como ocorre, por exemplo na hora da microcirurgia ou na hora de dirigir o carro. Se você só olhar para a frente pode perder a noção do trânsito ao seu redor.

Ponto número 2 a ser trabalhado para tornar o seu cérebro um “ninja”: a MEMÓRIA.
Essa habilidade cerebral tem duas facetas, a memória de curto-prazo e a de longo-prazo.
A memória de curto-prazo acontece nos lobos frontais e é representada pela atividade elétrica temporária dos neurônios. O normal é gravarmos de 5 a 9 coisas diferentes, não mais que isso. Mas, se você treinar você pode aumentar sua capacidade.
Quando você estuda um caso clínico ou lê a bula de um medicamento a ser aplicado imediatamente, por exemplo, a memória de curto-prazo é acionada e apresenta mais risco de falhar, de dar “branco”, porque é uma atividade elétrica cerebral temporária.
Já a memória de longo-prazo fica armazenada principalmente nos lobos temporais e aqui ocorre um processo de mudança das sinapses, ou seja, fisicamente na intimidade microscópica do cérebro acontecem mudanças estruturais definitivas. Isso se chama neuroplasticidade.
É importante saber que o processo de memorizar envolve 3 etapas:
- Contato com a informação
- Fixação através do hipocampo
- Recordação através da reativação da informação na consciência
O treino e a repetição fortalecem a memória e a neuroplasticidade. Sempre que precisar memorizar algo de verdade, leia, releia e tente fazer associações – isso ajuda muito.
Por outro lado, a memória para procedimentos como operar, escutar um paciente em uma primeira consulta e tomar as condutas básicas (uma vez aprendido e feito repetidas vezes se torna hábito e assim, fica fácil seguir com os protocolos) ou até andar de bicicleta, utiliza outro circuito cerebral além do córtex pré-frontal, o sistema extrapiramidal. Os neurônios em espelho são ativados só de observar. Então para aprender algo e memorizar, olhar atentamente é um ótimo começo.
Quando comparamos isso ao aprendizado cirúrgico, é possível avaliar a importância da atenção, do foco e do estudo conceitual para aprendizagem que acontece durante a observação de aulas, da participação nos congressos e nas reuniões de discussão de casos clínicos, por exemplo. Mas é a repetição motora que estimula e turbina essa memória, porém, observar um cirurgião experiente operar é o método mais poderoso para o início deste processo mental.
É por isso que o desenvolvimento intelectual de um neurocirurgião é sempre concretizado através do estudo teórico e do constante contato com a prática. São eles que conseguem tornar o exercício da cirurgia neurológica mais assertivo.
Então, para preservar sua memória e melhorá-la, dicas importantes e inclusive compartilhadas pela OMS recentemente são:
- A dieta mediterrânea é capaz de proteger o cérebro (azeite de oliva, vegetais, peixes de água fria ricos em ômega 3)
- A dieta cetogênica pode ser uma boa dica para você diminuir peso, aumentar seu foco e memória. Um trabalho científico norte-americano recente, feito com pacientes com Alzheimer, mostrou melhora na memória depois de iniciada a dieta cetogênica.
- Os exercícios físicos regulares aumentam a IRISINA e FATOR NEUROTRÓFICO DERIVADO DO CÉREBRO. Isso aumenta a formação de novos neurônios nos hipocampos.

 

O terceiro ponto para estimular o uso completo do cérebro é através da COMUNICAÇÃO.
A comunicação envolve 3 aspectos: expressão facial, corporal, linguagem falada, escrita ou através de gestos.
Durante uma consulta por exemplo, fica mais fácil interpretar e entender a queixa de um paciente quando se utiliza uma comunicação de fato efetiva. Enquanto o paciente fala, o médico observa a mímica facial, a entonação da voz, o comportamento corporal e até os gestos. Na medicina, isso é fundamental para desvendar os fatos que podem cercar uma determinada doença, mas que ainda podem estar obscuros.
Para intensificar o processo de comunicação e desenvolver ainda mais as sinapses que executam essa função é importante o processo de neuroplasticidade que inclusive pode provocar hipertrofia do giro angular esquerdo – que acontece no cérebro de pessoas bilíngues. Por isso, aprender um novo idioma, libras, estudar expressões faciais, fazer um curso de oratória ou teatro, são neurodicas para enriquecer a comunicação.
Uma boa comunicação entre duas pessoas, produz resultado e sucesso. Vale lembrar que cerca de 30% do nosso discurso é sobre nossas percepções subjetivas do dia a dia e quando isso ocorre, o circuito do prazer é acionado com liberação de dopamina. Portanto, escutar o outro com atenção, além de ser simpático, é poderoso e pode ser a chave mestre na hora de desvendar um quadro clínico e até mesmo acionar o “efeito placebo” a favor do paciente.
O quarto ponto para turbinar o cérebro, é treino da CRIATIVIDADE.
A criatividade envolve memórias e portanto, quanto mais experiências melhor. A idade ajuda por colecionarmos vivências. Viajar, por exemplo, pode aumentar o seu arsenal de memória.
Por outro lado, depois da infância, passamos a desenvolver o controle inibitório, uma função executiva dos lobos frontais. Com isso, surge a timidez e o filtro comportamental, o que é bom para vivermos em sociedade, porque “eu penso mas não falo tudo o que vem à mente”, mas por outro lado, pode limitar a criatividade por bloquear a manifestação da imaginação.
A criatividade é um pensamento divergente e é através desse tipo de atitude que encontramos soluções inéditas para os problemas. Para aumentar a criatividade, há evidências científicas que ficar desconectado do mundo digital uma vez por semana e manter contato com a natureza aumenta a originalidade.
No mais, desligar-se do mundo online pode trazer ainda mais benefícios para quem lida tanto com pessoas. O mundo real sempre produz mais efeitos do que o virtual – ainda que não pareça no atual estado da tecnologia incorporada ao dia-a-dia.
Por fim, o quinto ponto a estimularmos é a INTUIÇÃO, que basicamente consiste na percepção extra-sensorial ou o conhecido 6º sentido.
A intuição orienta a tomada de decisões através do pensamento inconsciente, e inúmeras vezes utilizamos deste importante poder cerebral sem perceber.
Em uma cirurgia isso acontece quase que 100% do tempo. Seja para escolher uma via de acesso, como para posicionar os instrumentos e até saber distinguir com exatidão o momento certo de terminar uma operação. Além disso, para lidar com a parte emocional e saber contornar as complicações vale sempre tentar escutar a intuição.
Mas, cuidado, nem sempre sua intuição está correta. Um déjà vu, por exemplo, pode pregar uma boa peça em você de algo que, de fato, apenas significa um trânsito anômalo de informações na sua cabeça.
Lembre-se, o cérebro sempre pode ludibriar, contra ou a seu favor. É uma questão de escolha e de inteligência saber manter os pensamentos, fazer escolhas e conduzir a máquina que fica bem aí atrás dos seus olhos – os mesmos que leram esse artigo com foco e atenção, armazenaram as informações primeiramente nos seus lobos frontais, podem então depositá-las nos lobos temporais e serão capazes de seguir as dicas daqui guiados pela intuição para fazer o cérebro funcionar, sempre, em 100% da sua capacidade.

Pelo Prof. Dr. Fernando Campos Gomes Pinto

Para saber mais:
Pinto, FCG. O Cérebro Ninja. São Paulo: Editora Planeta, 2018.