O Paradoxo Francês, expressão do início da década de 1990, chamou a atenção das pessoas em geral, e dos médicos em especial, sobre os possíveis efeitos benéficos da ingestão do vinho sobre a saúde. Mas como isso ocorreu? Bem, poucos anos antes um estudo multicêntrico e multicultural sobre a incidência de doenças cardiovasculares (coronariopatias) mostrou uma constatação aparentemente incoerente sobre a incidência daquelas moléstias. O trabalho, com o interessante nome de WHO MONICA (Monitoring Trends And Determinants In Cardiovascular Disease) analisou mais de 13 milhões de pessoas, em 21 países por 10 anos. A informação estranha dizia respeito à incidência e gravidade das doenças estudadas em diferentes populações. Os franceses naquela ocasião ( e ainda hoje ) tinham hábitos que incluíam fatores então identificados como de risco para as coronárias. Em sua dieta diária, constavam queijos, leite, manteiga, (gorduras saturadas) e carboidratos. Além disso, o tabagismo era generalizado entre eles. Entretanto, a incidência de morte por infarto do miocárdio era menor comparada a outras populações. Por outro lado, em países anglofônicos, sobretudo EUA e Inglaterra, já existia uma consciência maior para dieta e hábitos menos identificados com este risco. Mas a incidência de doenças coronarianas entre eles era maior. 

Era um fato de relevância científica, sem dúvida. Porém incoerente! Qual seria a explicação?
Em 1991, um cientista francês, Serge Renaud, em entrevista ao icônico programa 60 minutes da emissora de TV americana CBS forneceu sua explicação. A dieta francesa incluía, classicamente, a ingestão diária de vinho às refeições. Este hábito, segundo ele, seria a causa da menor incidência das doenças, já que o vinho teria um efeito protetor para as coronárias e para o miocárdio. No ano seguinte, ele publicou no Lancet um artigo científico explicando o fenômeno (“Wine, alcohol, platelets and the French Paradox for coronary heart disease”).
Mas não precisamos nos ater apenas ao passado recente para verificar a relação entre vinho e medicina. O vinho é associado à boa saúde desde a antiguidade. Poções, unguentos e emplastros tinham, em sua composição, o fermentado de uvas. Na idade média, junto à cerveja, o vinho era uma bebida saudável, usado inclusive por crianças, pois a água frequentemente não era potável. Enquanto os destilados foram usados como um precursor dos anestésicos, ajudando a suportar a dor por entorpecer, o vinho era um elixir vital associado à saúde.

Além da saúde física, o vinho promove a saúde espiritual, associado ao bem-estar e à socialização. Filósofos, teólogos, generais, políticos ... são várias as citações, pela história afora, de personagens famosos ou anônimos louvando as virtudes de partilhar uma boa taça com amigos e louvando seus benéficos efeitos.

Então, devemos tomar vinho? Bom , o alcoolismo é uma doença grave.
Respeitando os limites do bom senso e se afastando deste perigo, sim
Além de fazer bem à saúde física e espiritual, o convívio através do mundo do vinho é fascinante, associando a desafios técnicos que vão desde a compreensão dos diversos tipos, características, cepas, formas de produzir... O vinho associa-se à cultura, presente em várias civilizações, abrindo rotas de comércio, intermediando momentos de guerra e paz. É místico, estando presente como simbolismo na religião católica. É um produto comercial, com alto valor agregado. Lidar com tudo isso ocupa a mente, acende novos desafios emocionais e intelectuais e nos compensa de nossa pesada rotina. Produzir um vinho é uma experiência associada a escrever um livro, envolvendo minúcias artesanais que vão desde a escolha do terreno, à cepa a ser plantada, à colheita, às características que a sua intervenção irá resultar, tempo de “crianza”, rótulo .... e por aí vai!
Muito do desenvolvimento da nossa SBNPed se deu em volta de taças, clareando nossa mentes, dirimindo impasses e abrindo nossos corações. Muitas amizades vieram daí, e, por aí se mantêm.
Mas, e o paradoxo francês? Bem, um pouco mais tarde ficou evidenciado que, além do vinho, a dieta mediterrânea baseada em vegetais frescos, oliva e azeite, proteína do próprio queijo e peixes, tão comum entre franceses era também responsável, além do vinho, pelo contra-senso.
Por outro lado foi identificado o resveratrol, substância presente sobretudo no vinho tinto, que pode ajudar a diminuir os níveis do colesterol LDL e aumentar os níveis de HDL. Além dele, substâncias anti-oxidantes do vinho são benéficas à saúde.
Tudo bem, mas se eu tomar o resveratrol em cápsula ou no suco de uva para a saúde vai dar no mesmo, não é? Aí eu parafraseio o meu Tio Pituxa quando meu pai lhe apresentou o “Grapete”, refrigerante que lembrava suco de uva:
Depois de sorver um bom gole ele proferiu:
“ Zé, o suquinho é muito bom, mas falta aquela tonteirinha...”
Saúde!

Por: Dr. Aloysio Costa Val